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Finanças Públicas Trocadas em Miúdos

14 Jan 2011

Eu não tenho grandes conhecimentos de economia à escala global e dessas coisas que se falam todos os dias nas notícias, mas que no fundo ninguém percebe. Ainda assim estive a falar destas coisas com um amigo e penso que conseguimos fazer uma analogia simplista do estado com um agregado familiar. Tudo começou com a pergunta: mas o estado precisa de ir todos os dias pedir dinheiro aos mercados?

Na verdade as taxas de juro de que tanto se fala são diárias e só têm significado prático se de facto o estado pedir dinheiro nesse dia. Fora isso são uma medida de risco que os investidores e especuladores atribuem a Portugal. Mas Portugal já pediu dinheiro esta semana e vai precisar de pedir mais para a próxima semana? Porquê?  Porquê tantos empréstimos? Aqui começa a analogia.

Imaginemos que eu há 3 meses comprei uma TV nova por 1500€ com o cartão de crédito, e que tinha o prazo de três meses para a pagar. O prazo acabava para a semana. Por qualquer razão eu não tenho o dinheiro para dar. Logo tenho duas opções: ou não faço nada e começo a pagar os juros do crédito, que no caso de um cartão suponhamos que são 30%. Ou então peço dinheiro emprestado a uma taxa menor. A CGD por exemplo faz empréstimos a 16%. O BiG com algumas garantias faz ainda juros mais baixos.  Agora imaginemos que após pagar esta despesa, o meu carro se avaria e tenho uma despesa de mais 1000€. Continuo sem dinheiro, preciso de empréstimo. A CGD diz que já nos emprestou dinheiro e que é arriscado emprestar mais, pelo que ou aumentam a taxa ou se recusam a emprestar.

Há sempre a hipótese dos créditos rápidos. Eles não fazem muitas perguntas, têm é uma taxa elevada. Vamos imaginar que começa a bola de neve e que chego a uma altura em que o ordenado que recebo não chega para pagar os créditos e as minhas despesas. Ups, estou com défice negativo. A coisa começa a complicar. Tenho de fazer engenharia financeira e ir fazendo mais créditos para pagar créditos passados e gerir o orçamento familiar.

Entretanto tenho um amigo chinês rico com resturante aqui na rua. Conto-lhe os meus problemas e ele, que não quer perder um cliente pois eu até como lá uma vez por semana, oferece-se para me ajudar. E diz:

Olha eu pago parte da tua dívida. Pago-te a dívida A e B e ficas-me a dever isso a uma taxa muito baixa. Tens é de prometer que vens cá comer pelo menos duas vezes por semana.

Isto é um bom negócio para ele. Ele sabe que eu não tenho o dinheiro para dar agora, mas sabe que eu tenho dinheiro para ir pagando um pouco todos os meses. Por forma a que daqui a uns anos  o chinês já tem um investimento bem rentável. Além de recuperar o dinheiro com juros, ainda aumentou os seus lucros pois fui lá comer mais vezes.

Então mas e a cena do FMI? Mesmo com as ajudas dos meus amigos chineses e timorenses a verdade é que o meu défice continua com mau aspecto e sem perspectivas de melhorar a médio prazo. Recebo o mesmo, tenho as mesmas despesas e os créditos vão sempre subindo. Eis que entra o FMI: os meus pais. Eles, que já na reforma conseguem ter uma boa liquidez, estão sempre lá para ajudar. Aliás, até já ajudaram a minha irmã que está na Grécia e o meu primo da Irlanda.

Eu digo-lhes que não preciso de ajuda. Já tenho a minha independência e hei-de dar a volta às coisas. Acontece que eles estão preocupados com a minha situação. E têm de fazer algo porque têm medo que eu entre num buraco sem saída. E dizem:

Filhote é assim, gostamos muito de ti. Mas ou tu começas a enfrentar a tua situação a sério, ou nós vamos deixar de te pagar a creche aos miúdos.

Não! Não façam isso! Eu prometo que vou começar a cortar nas despesas. Eu vou cortar 10% na mesada dos miúdos, começar a comer só produtos seleccionados continente, deixar de ir à natação, cancelar as Sport TV e as Tele Cine, vender o carro e começar a andar de transportes.

Eles ao verem as minhas medidas ficam mais descansados. E dizem:

Muito bem, então segue esse plano e vamos ficar de olho em ti. Mas se não conseguires, nós temos dinheiro para te ajudar nos créditos e ajudamos-te. Mas se o fizermos, vamos ser nós a controlar todas as tuas finanças, percebes?

Apesar do meu plano para cortar despesas ter bom aspecto, a verdade é que estou numa situação de crédito a curto prazo complicada. A médio prazo as coisas podem mudar, mas o certo é que hoje, os bancos continuam a pensar que eu sou um cliente de risco, pelo que irão continuar a pedir-me juros altos. Mesmo com os meus pais a dizer aos bancos que eu me vou portar bem.

Em casa as coisas também estão complicadas. Os meus filhos mais velhos defendem a entrada dos meus pais com todas as forças. Querem que esta situação fique resolvida o mais rápido possível para poderem ir para a faculdade à vontade. Mas a minha mulher é contra. Não admite que os meus pais controlem a forma como gerimos do dinheiro. Todos eles acham que a culpa é minha, apesar de todos nós termos contribuido para esta situação.

No meio desta salganhada toda, imaginem que são o Primeiro Ministro e vão entrar a governar em Portugal, que está numa situação 1000 vezes pior do que a deste agregado. De repente até parece que governar é mais complicado do que aquilo que se pensa à partida...

 
 
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Comentários

  • skub_2003
    Boa analogia:P
  • Pestanas
    O problema é que andamos a cortar na mesada dos miudos e na mulher da limpesa porque a mulher pode limpar mais e na natação dos miudos, mas eu continuo a ter que beber o meu whisky de 15 anos todos os dias depois do jantar e até quando vou ao supermercado compro tudo produto seleccionado do continente menos as minhas cenas para a barba e os meus filhos e a minha mulher a verem ser curtadas regalias deles e para mim nem por isso. É assim que vemos que até nem é muito dificil governar... Abraço grande analogia...
  • JC
    eles que sejam radicais! deixem de receber ordenado durante uns anos, ou passem a receber o ordenado mínimo durante 3 ou 4 anos :D